sábado, 3 de abril de 2010

Antes que eles cresçam por Affonso R`de Sant'Anna



Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus
próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de
nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem
sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre
e, às vezes com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os
dias, de igual maneira, crescem de repente. Um dia sentam-se
perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que você sente que
não pode mais trocar as fraldas daquela criatura. Onde é que
andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê a
pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o
primeiro uniforme do maternal? A criança está crescendo num
ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na
porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas
apareça... Ali estão muitos pais ao volante, esperando que
eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos. Entre
hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme
de sua geração. Esses são os filhos que conseguimos gerar e
amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura
das horas. E eles crescem meio amestrados, observando e
aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente com os
erros que esperamos que não se repitam. Há um período em que
os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos. Não mais os
pegaremos nas portas das discotecas e das festas. Passou o
tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô. Saíram do
banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter
ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e
confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele
quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos
ensurdecedores. Não os levamos suficientemente ao Playcenter,
ao shopping, não lhes demos suficientes hamburgueres e refrigerantes, não lhes
compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter
comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o
nosso afeto. No princípio iam à casa de praia entre embrulhos,
bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e
amiguinhos. Sim havia as brigas dentro do carro, a disputa
pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um
sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros
namorados. Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a
solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas
"pestes". Chega o momento em que só nos resta ficar de longe
torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da
felicidade. E que a conquistem do modo mais completo
possível. O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar
netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não
exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável
carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o
nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais,
antes que eles cresçam.

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SP, SP, Brazil
Não temo dizer o que sou. Até diria...se soubesse! Até diria...se conseguisse provar que mudo todos os dias pra garantir minha autenticidade. Não temo largar as palavras, ao invés das mãos. Não temo abrir o livro da minha vida aos poucos que fazem ¿ realmente - parte dela...e claro, dentre esses, aos que gostam de ler...rs. Desacredito que podemos ser o que quisermos...na verdade, queremos ser o que pudermos. A informação valiosa é: podemos muito! Não sou igual a ninguém e ninguém é igual a mim. Nisso, todos somos iguais! ******************